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COINCIDÊNCIAS EXAGERADAS -CAPÍTULO 02

  • Paulo L. Menezes da Silveira
  • 19 de dez. de 2015
  • 21 min de leitura

“Começar já é a metade de toda a ação.”

(PROVÉRBIO GREGO)

COTIDIANO

Beep beep beep beep beep beep beep beep beep beep beep beep beep. Alarme irritante! Súbita alteração do estado de consciência. Descrevendo as transformações de uma nova dimensão de tempo. Mas sons agradáveis não me acordam.

06h00min, marcam os números digitais. Este, “beep” agudo, repetitivo, sempre me faz recordar o quanto posso ser inimigo da tecnologia. Parece conspiração existencial: sempre temos de acordar na hora em que o sono é mais reconfortante.

Rotina! “Suave” rotina: barba, banho, dentes, café da manhã; isso tudo com uma vontade infernal de voltar para cama e desertar da vida.

Passando a barreira do despropósito, consigo aceitar mais um dia. Um plano estritamente natural. Exemplificação do caráter irresistível da existência: sobreviver.

Outro vício da moderna sociedade consumista é ficar bem informado, instituído pelas corporações que controlam a mídia. Todos foram atingidos: o amor incandescente abrasa aos desejos e os sonhos são alvos fáceis... Se diluídos na impermanência do prazer.

Meu senso desenvolveu-se a partir do “discernimento” de meus pais... Digiro meu próprio juízo, saio ensandecido, alucino meus ideais... Acesso idéias alheias... Faço da inspiração que sinto meu acaso ao... “SUCESSO”?

Incito: dúvidas e indagações... Entorpeço meus frágeis sonhos... Aprendo na busca do “EU” de meu próximo.

Observo triunfantes ao meu redor esses que conhecem... Que conhecem a verdade dos “DEUSES”... A simplicidade de aceitar o “deixar-se ir e vir” comprazente e prever o próximo passo do adversário.

Irrito-me com meus mais sólidos preceitos!

Admito que só me entregue a mais divinatória das visões.

Me expresso mal e entedio-me com o pouco que conheço...

Identifico-me com os ideais ambientalistas: “MEIO AMBIENTE EU QUERO UM INTEIRO!”

Somos eternamente perseguidos pelo que acreditamos e sentimos, e, nos ressentimos quando até isso nos roubam...

Custa-nos crer que sejamos os extravagantes espíritos do alvorecer da consciência... Bons e maus espíritos, incapazes da habilidade de ascender... Descendentes de teorias pré-concebidas que continuam sacrificando esforços, agora, em defesa daqueles que ainda se enternecem com o mágico fascínio da: “INDÚSTRIA DO ENTRETENIMENTO” a que estamos expostos... Somos cada um, motivo de risos!

Contradizemo-nos nesses longos discursos a cerca de: NADA! Que só acrescem a cada novo vocábulo: imperiosa necessidade de SILÊNCIO!... Que se avizinha na soturna solidão da noite... Nós já nos acostumamos a tudo, até mesmo com a falta de soluções! Estamos habituados à banalização de todas as formas de crimes, desde homicídios até a violência doméstica contra a mulher, o abuso de crianças e adolescentes, o uso e o tráfico generalizado de drogas, com o crescente número de mortos em acidentes nos finais de ano, semana e feriados (pra não falar na “boa e velha” corrupção de sempre). Fomos imunizados por telejornais e anestesiados por telenovelas.

Nós ouvimos e cantamos as músicas de artistas viciados em drogas. Assistimos a filmes produzidos, dirigidos e estrelados por pessoas dependentes ou que são usuários destas mesmas substâncias. É o “glamour” das drogas, eles fazem campanha contra a fome, minas terrestres e a presença de tropas americanas no Iraque, são a favor do cessar fogo na Palestina e muitos deles são consumidores da cocaína produzida na Colômbia e na Bolívia e da heroína feita no Afeganistão, lhes emprestamos notoriedade e seus hábitos financiam o crime, não apenas o tráfico de entorpecentes, mas também a indústria dos seqüestros, dos assaltos a bancos e carros fortes, da pornografia, da prostituição infantil, e ironicamente, da pirataria das obras que eles mesmos produzem... Num ciclo “vicioso” interminável!

Não somos mais divinos porque no mundo, rimos do que há para se aprender... Muitos o fazem imaginando ser DEUS o mais pérfido dos humoristas e, que criou-nos para o seu ENTRETENIMENTO... Justo disso se ri... Seu SATÂNICO oposto!

Desisti da televisão. Qualquer pessoa de intelecto mediano está apta a compreender que a TV não é um simples eletrodoméstico. Ela não apenas te doutrina e desorienta − com sua simbologia pérfida e sinistra −, torna-se parte de ti e vai consumindo o teu tempo útil e o do ócio, sem nenhuma parcimônia, anulando qualquer chance de reflexão.

As TVs a cabo ou via satélite prometem o mundo na sala de estar e, quase todos sucumbem ao desespero da infinita troca de canais, na vã tentativa de ficar sabendo tudo o que acontece no mundo em tempo real, a todo instante. Os “especialistas” falam em programas educativos, para crianças e adultos; é perda de tempo (apesar de que já existam bons “programas educativos”, leia-se “lavagem cerebral”), por que tanto uns quanto os outros, abominam a idéia de que a TV os ensine. Esperam sim que ela os divirta. Mesmo que o mundo fosse acabar amanhã e todas as redes de televisão soubessem, não divulgariam. O motivo? A verdade, quando dá ibope, serve como objetivo (tendo quem assista); se o efeito final é devastador causa desespero e ninguém assiste. Quem lucra? Imagine um comercial assim: “Assista com exclusividade amanhã às oito da noite, ao vivo nesse canal: ‘O Fim do Mundo’. Patrocínio das lojas ‘Apocalipse’, vestindo em diferentes estilos toda a família para o momento derradeiro”.

Em mim, processou-se uma reação aversiva absoluta por tal veículo, que direcionei ao aparelho, devido − quem sabe? −, ao fato de termos passado os sete primeiros anos de minha existência nos observando e assistindo, mutuamente, quase em tempo integral. Rompemos nossos laços no dia fatídico em que larguei da janela de um apartamento no terceiro andar, um espécime colorido de 20 polegadas, com dois anos de uso, por que minha mulher iniciou comigo uma “descontraída discussão”, a respeito de que não deveria assistir a um filme exibido as três da madrugada. Levantei-me com “afetada educação” e a desconectei da tomada e da antena, peguei-a em meus braços, dirigi-me com calma até a janela, certifiquei-me de que ninguém seria ferido e deixei a gravidade encarregar-se do resto. Entendia, de forma errada, que naquele gesto residia o simbolismo que poria fim ao nosso combalido relacionamento (meu com a mulher), mas ele apenas se tornou ainda mais psicótico e assustador.

Logo após ter-me “libertado” da perigosa instituição do casamento, iniciei uma intensa e construtiva “relação” com a Informática.

A internet, idealizada no final da década de 50, teve as suas primeiras pesquisas dedicadas a fins militares: procuravam corresponder à necessidade de comunicação entre as autoridades norte-americanas em caso de ataques nucleares. Da década de 60 a década de 90, a internet popularizou-se.

Foi um cientista americano, Tim Bernes Lee, quem teve a idéia em 1989 de criar um troço chamado: “World Wide Web”, que logo após se expandir com a proposta inovadora de um mundo globalizado, seduziu de imediato aos solitários.

“A estrutura democrática da internet fez mais pelo mundo do que todas as filosofias surgidas e ensinou-nos mais que qualquer um dos métodos preconceituosos de ensino”, dizem os que defendem a valorização da Rede pelos seus benefícios. O político brasileiro, Fernando Gabeira afirmou sobre o tema: “... e nos abriu caminhos que todos os sistemas de governo ultrapassados, supostamente já tentaram sem obter nenhum sucesso permanente...”

A despeito de o computador, segundo o consultor empresarial norte-americano Peter Drucker, “ser um completo idiota” e de o pintor, desenhista, gravador e escultor espanhol Pablo Ruiz Picasso, tê-lo conceituado como: “... uma máquina inútil que não questiona, apenas fornece respostas...”, tem-se que admitir que sem ele, todo esse contexto da comunicação sem fronteiras seria inviável. Tal qual a TV, o computador ocupa pouco espaço, consome energia (sem a qual nada disso existiria) e devora o tempo. Com a televisão a família inteira pode preencher a mesma sala e estarem todos sozinhos. Com o “PC”, através dessa “rede de computadores”, pode-se estar a um continente de distância e mesmo assim efetuar com o outro uma troca de pensamentos originários de cada mente em comum, e estar conectado com todos, mesmo que afastados no contexto geográfico. Com o computador é possível trabalhar sem sair de casa. Com a TV só é possível ficar em casa sem trabalhar.

A televisão aberta, ainda, te recomenda noticiário e entretenimento, fazendo-o esperar, impaciente, pela informação e a diversão de que precisas. Na “WWW”, tu buscas especificamente o que procuras, ignorando por completo o que julgas desnecessário. Alguns devem estar muito zangados com toda essa liberdade, pois se empenham na elaboração de leis que acabe com ela. Não entendem: as infrações aumentam pelo excesso de leis, e não pela falta delas.

Enquanto internautas ocidentais são rotulados de criminosos por baixarem programas, filmes, músicas e jogos da internet, a economia na China cresce a partir de indústrias que apenas copiam produtos e nada criam, isso ainda os vai alavancar ao status de serem os primeiros homens a pisarem na Lua. Ao menos de verdade. Há cinqüenta e tantos anos o Japão copiava tudo, e chegou a ter um dos designs mais sofisticados do mundo.

Os piratas modernos − da mesma forma que os da antiguidade −, nos fornecem novos canais de distribuição e consumo das novidades, forçando as empresas a trabalhar duro em busca de produtos que nos agradem mais. As empresas que não se adaptam aos novos tempos, desaparecem do mercado de trabalho e consumo. “Download”, “software livre”, “creative commons” e o movimento contemporâneo da pirataria, fazem parte da cultura insurgente. Quem imaginaria, há cinqüenta anos atrás, que alguém poderia ganhar até oito mil dólares por mês para ficar oito horas por dia “conectado” e jogando Vídeo Game?

O escritor americano Matt Mason declara, em livro recentemente publicado: “Em nossa civilização do copie e cole, jovens rebeldes e idéias copiadas estão reinventando a economia”. Palmas para os chineses, pressionados pela filosofia capitalista, aderiram ao pensamento: “Tempo é dinheiro”, sem com isso abandonarem o perfil comunista.

Quando se sabe o que quer, na rede, tudo fica ainda mais fácil, apesar de a “Banda Larga” brasileira ter sido considerada em uma pesquisa recente, feita pela Universidade de Oxford, uma das piores (38ª entre 42 países), num ranking que mediu a internet de alta velocidade.

Leio os jornais. A invenção do papel, como conhecemos, tem sido atribuída aos chineses, por volta do ano 105 d. C. e só chegou a Europa por volta de 1.100. Talvez, o predecessor mais antigo do papel tenha sido desenvolvido no Egito, por volta de 300 a.C; era produzido pelo entrelaçamento de juncos, depois molhados e batidos.

Foi o cidadão alemão, Johann Gutenberg quem inventou em 1450, uma prensa de tipos móveis que permitia a impressão de páginas, com qualidade e em quantidade suficiente, a ponto de permitir a elaboração de livros e jornais. Prefiro os jornais mais... “expressivos?”, na forma tradicional, mesmo que todos possam ser lidos online e, apesar de um meu amigo, “eco-maníaco”, “computar-me” o cálculo expressivo da quantidade de árvores “abatidas” para a confecção de tal veículo, mas a impressão que tenho é a de seguirem uma fórmula: (excetuando alguns raros) apenas mudam a data, escolhem uma desgraça qualquer para a primeira página, induzindo que pensemos sempre: “Estaríamos bem pior em qualquer outra parte do mundo!” − vai ver é porque precisamos mesmo ser informados de que o pior já é regra, acontece cada vez mais próximo e com maior freqüência. Quase o mesmo esquema das novelas, que anestesiam ao telespectador, tentando, incansavelmente, provar o contrário; o pior é que as novelas conseguem, com substratos dos primórdios das obras de autoajuda. Novelistas televisivos sempre tentam impor tolas lições de superação, incursionando no batido clichê: moço ou moça, pobre ou rico, luta para validar relacionamento com alguém de classe, raça ou cultura social diferente da sua.

Os louros a quem os mereça: as melhores novelas e séries já produzidas para a TV até hoje, foram as que se basearam em obras literárias de sucesso, todavia, porque que mantiveram os clichês. Quem adora novelas ama clichês.

Leio as “tirinhas”. Gosto da síntese: “imagem-palavra”, apreendendo o todo da abordagem com o máximo de impressão visual e o mínimo de texto.

Leio as crônicas, artigos e colunas; apenas reflexo de críticas a algo que não muda nunca: desmazelo e hipocrisia com idosos e crianças, descaso com a educação, com a saúde, a falência da moral, o desrespeito absoluto com todos, e as mesmices de sempre. Só que os bons profissionais nos informam tudo isso com bom humor, opinião e ironia, o que consegue ser bastante inspirador.

O horóscopo manda ter cuidado com a saúde e arrisca um número e uma cor qualquer que dê sorte. No amor tudo bem. Dia agitado no trabalho.

Bem que no horóscopo poderia haver uma previsão: “Tua Ex vai ligar” e me preveniria deixando o celular desligado, mas para isso seria necessário um Mapa Astral. Ela só liga para pedir mais “auxílio financeiro” e termino sempre por descarregar sobre a desgraçada, minhas frustrações por inadivertidamente ter vivido ao seu lado os piores dias daquilo que os astrólogos denominam: “Inferno Astral”.

Continuando a leitura... Pelo mundo: guerras, revoltas, revoluções, catástrofes, tempestades, terrorismo, desemprego, fome, miséria, drogas (lícitas e ilícitas), doenças sem cura − novas e antigas −, armas de destruição em massa: químicas, biológicas, atômicas, virológicas.

Na política: outra vez, a “boa e velha” corrupção de sempre. Decisões ilógicas, silogismos, arbitrariedades.

Na página policial: sangue, mortes, drogas apreendidas, violência doméstica, crimes hediondos... Mais crianças desaparecidas. Isso me faz lembrar que meu filho de treze anos − com o qual não convivo a dez − ligou ontem e disse:

− Mentiroso! Como tu te atreves a ofender minha mãe? Pois saiba que ela disse a verdade. Eu não quero mais falar contigo! Nunca mais! Que ódio!

Queria ter-lhe dito um monte de coisas, todas óbvias: que o amo, que estou com saudades, que estou disposto a pedir desculpas a sua mãe. Só consigo dizer:

− Ao menos ouvi isso de teus lábios, mesmo que por telefone...

A frase fica suspensa no ar. A pausa sinistra parece repetir-se, infinitesimal. Fazendo ressaltar minha inútil desaprovação às grandes facilidades que a telefonia móvel concede: um filho exorta o pai à distância e depois desliga o telefone pra que ele não tenha direito, ou melhor, chance de réplica. Coisinha que irrita é aquela mensagem da operadora: “O número discado encontra-se indisponível, ou fora da área de cobertura...”

Moda. Cultura. Cinema. Música. Artes. Lazer. Variedades. Culinária. Generalidades...

Faço as cruzadas? Detesto palavras cruzadas!

Os esportes, nas últimas páginas, é outra tentativa conscienciosa − ou não − dos dirigentes de jornais, para tentar amenizar os horrores restantes. Apesar de também a guerra e a corrupção terem se instalando pouco a pouco, ou desde sempre, no mundo dos esportes; intuindo que a sociedade pode mesmo ser uma dádiva da violência e do enriquecimento ilícito. Nisso, sinto-me único: “no país do futebol”, não consigo torcer por equipe alguma, em esporte algum.

Quarenta e cinco minutos para saber que o mundo não acabou ontem, e, pode acabar a qualquer momento.

Há um padrão em tudo isso: os jornais são a “bíblia dos céticos”, antevêem o compasso do perfil histórico, desnudam o perfil psicológico; no dia seguinte, páginas e páginas de informação, emoção e sensibilidade, transformam-se em lixo, cobertas para mendigos ou então, são usados para embrulhar os mais diferentes produtos e depois... Viram lixo. É de domínio popular que, papel jornal é um excelente forro contra a umidade, também já “quebrou muito galho”, de muita gente, exercendo a função de papel higiênico em banheiros de beira de estrada. Sempre ouvi dizer que “o papel aceita tudo”, cada dia que passa, mais as verdades absolutas e inúteis se celebrizam.

Tenho cinco ternos de corte idêntico e cores diferentes. Hoje é dia do cinza claro. Essa cor me deixa quase invisível. Que bom! Elas sempre procuram alguém para o trabalho extra no último dia útil da semana, justo quando quero passar incólume e despercebido. Sextas feiras revelam-se místicas, porque encerram um ciclo, ou sei lá o que. Afinal, quem liga?

07h30min. Antes de sair, espio pelo olho mágico. É um hábito que adquiri de tanto encontrar vizinhos chatos, dispostos a discutir as tolas reuniões de condomínio que com certeza, faltei. Não dá certo. Sabem à hora em que saio e desenvolveram a tática de se esconderem no vão da escada, para poderem me deixar a par da “insubstituível importância” de que todos os condôminos participem das “emocionantes reuniões”.

Com vizinhos tão desagradáveis, não é difícil entender a teoria das psicoses e o porquê dos assassinatos em série. Meu perfil não me especifica, jamais ajudo a colocar o lixo para fora, nem brinco com as crianças do prédio.

Uma soberba e silenciosa falta de educação torna fácil desvencilhar-me de um casal de velhos, “pentelhos” e sem perspectiva.

Não gosto de elevadores! Desço quatro lances de escada. O porteiro já sabe que sou antissocial e contenta-se com um sutil aceno de cabeça.

Finalmente ganho a rua... Na rua, sinto-me livre e perfeitamente invisível. O que mais gosto nas metrópoles é que ninguém se sente na obrigação de cumprimentá-lo sempre, só porque o vê todos os dias.

Estou com trinta e seis anos. Ainda não quis ter carro ou moto. Poucos sabem, nos dias de hoje, nos quais se fala tanto em “aquecimento global”, poluição, “emissão de gazes” etc., e se vêem expostos nos salões de automóveis, carros novinhos, movidos à eletricidade e hidrogênio − como a novidade que vai salvar o planeta dos combustíveis fósseis −, que o carro elétrico foi inventado em 1830. Também são poucos os que possuem o conhecimento de que células de combustível capazes de produzir energia a partir do hidrogênio já existiam em 1860, embora fossem instáveis. Cartéis e oligarquias dos transportes e do petróleo, uniram-se a governos ocidentais para “exterminar” as tecnologias limpas e “viciar” a humanidade em diesel e gasolina. Os fabricantes de automóveis alegavam que o carro elétrico era lento, silencioso demais e parecia “feminino”. Com os possantes motores de combustão interna, pretendiam conquistar o consumidor masculino.

O petróleo já foi chamado de “excremento do diabo” no início do Século Vinte. Já nessa época, jornais e revistas publicavam matérias denunciando que a graxa e o óleo estavam contaminado rios e oceanos. Desde o Século Dezessete, com o princípio da extração do carvão, existem pessoas que se mobilizam em movimentos ambientais, e nunca mais pararam. Parece-me que começam a serem ouvidas. Temo, porém, seja tarde.

Aceito a verdade de quem disse num filme: “Quanto mais dirigem, mais idiotas ficam as pessoas”. O aumento constante (são 40 mil mortos no trânsito, todos os anos, apenas no Brasil) dos índices de acidentes automobilísticos, sempre fortalece essa teoria.

Renego ao máximo que posso a idéia de tomar ônibus, táxi ou lotação. Caminho quarenta minutos até o trabalho. São os melhores momentos do meu dia essa hora e vinte minutos que contabilizam minha ida e vinda.

A infinidade caótica de sons dilui-se em meu lago de silêncio interior. Bendito Steve Jobs, inventor, entre outras maravilhas tecnológicas, do “ipod”, uma pequenina caixa repleta de música.

Na metade de meu percurso vejo uma aglomeração de pessoas. Normalmente passo de lado e não dou importância a esses fenômenos populares, que exerçam efeitos sobre o mecanismo psicológico das massas. Esse, porém, chama-me a atenção, em virtude do silêncio e compenetração do público, relacionado a um único que fala com voz forte e compassada:

− Éramos todos deuses... E padecíamos da falta de limites. Tudo que imaginávamos, podíamos ter. Criamos universos imensuráveis. Para nosso deleite e consternação. Tudo o que criávamos possuía: início, meio e fim. Diferentes de nós que não tínhamos, princípio... Nem fim de dias...

Forço passagem por entre os ouvintes silenciosos e busco uma distância que me possibilite ver o palestrante. Quando consigo, ele olha-me fixamente. Em seus olhos latejam silêncios de longos períodos de solidão. Com a mesma tonalidade de antes, prossegue seu discurso, sem afastar os olhos dos meus:

− No íntimo de cada ser humano, existe um mundo oculto e sombrio, um espírito de curiosidade intelectual, que nos impulsiona ao que éramos. Deve existir um momento na vida em que tudo se justifique ou se complique. Um momento chave, no qual, por bondade ou maldade, estabeleça-se o sentido extremo da verdade, iluminando as mentes e os corações, ou a mentira prevaleça, em toda a sua significância obscura e estarrecedora. Neste momento, tudo parecerá parar, no tempo e no espaço, numa ausência plena de figurações sobrenaturais, dando-nos, da realidade, uma visão e um sacramento. Então... Será à hora da escolha: (todo dia é dia de escolhas), claro, escuro. Rude, suave. Maduro, verde. Mau, bom... Mentira ou verdade? Às vezes, a verdade é nossa única opção... E apresenta-se de forma tão extraordinariamente bela e ofuscante, que nossas mentiras persistem, porquanto, nossas verdades não são bem recebidas. Outras tantas vezes mentimos e a mentira assume os ares de verdades incorruptíveis. Cresce e se espalha... Se tentarmos retornar, ela nos absorve e domina, envolve e enriquece. Tornando-nos algo que queríamos ser, e, nos inventamos todos os dias, criando nosso próprio sistema. Percebemos, então, a possibilidade de termos dias primorosos, porque as misérias, mistérios e vitórias que compartilhamos, pendem das opções que fizemos.

Uma senhora, “rechonchuda”, ao meu lado, diz uma única palavra, simples e sonora:

− Louco!

Ele olha-a de forma gentil. Sem demonstrar que tivesse havido interrupção, continua falando:

− Sou louco! Que ser louco é meu único dom. Não tenho nenhum interesse nos que se julgam certos ou sábios. Minha proposta é reunir em torno de minha maneira de pensar, o maior número de loucos que consiga.

Dito isso, cala-se e passa a guardar algumas peças de artesanato rudimentar (confeccionadas com fibras vegetais, ossos e dentes de animais carnívoros), em uma mochila de lona. O movimento das mãos alcança uma incrível fluidez, como se houvessem esquecido com o tempo a maneira de tocar as coisas. Da mesma forma que alcança cada um dos objetos a que se dispõe o gesto, parece também transpassá-los, tal quais, de algo imaterial fossem feitos.

O público se dispersa. Sou o único a permanecer ali. Estático.

Apenas observo. Logo, registro que seria capaz de varar a própria eternidade, se, essa esplêndida criatura aceitar a missão de ficar apenas movendo essas pálidas e descarnadas mãos, que demonstram, numa sublime loquacidade, ter uma linguagem transcendente. Seus gestos professam um conhecimento do outro lado de fatos em que sou ignorante.

Pondo fim à fácil tarefa de arrebanhar seus pertences − o que foi feito acocorado −, ergue-se e vem até mim.

− Quem é o senhor? – considero ser a mais óbvia das indagações.

Responde-me pondo a mão direita no próprio peito. Por sobre a barba cinza, longa e limpa:

− Eu? Sou o homem!

A resposta não me satisfaz e inquiro:

− E o homem o que é?

Ele posiciona um sorriso, dando a entender que estava à espera da pergunta. Responde usando múltiplas conceituações universais e fazendo gestos ostentosos:

− O homem é a medida de todas as coisas... O homem é o que pensa que é... O homem é a extensão de si mesmo... O homem é a imagem e semelhança de Deus... O homem é aquilo que passa a maior parte do tempo fazendo... O homem é o reflexo de suas atitudes... O homem é um bípede ingrato... O homem é a eternidade de seus anseios, desejos e vontades... O homem é o que ele come... O homem é o que ele bebe... O homem é o que ele fuma... O homem é o que ele ouve... O homem é o que ele fala... O homem é o que ele veste... O homem é o que sonha para si e seus semelhantes... O homem é o ideal que escolhe e aceita... O homem é a equação resolvida de seus medos... O homem é a resposta de suas próprias indagações... O homem é a pergunta impertinente... O homem é a exceção pré-concebida... O homem é a regra... O homem é a intensidade das dores que causa e sente...

Noto, então, que não existem respostas nem perguntas diretas para esse anacoreta. Entedia-me a possibilidade de que qualquer palavra proferida por mim gere em seu coração um discurso. Calo-me, esperando que ele parta. Para meu desconforto, sequer move-se de onde está, (aos passantes parece que estou em transe hipnótico). Tentando romper o silêncio, indago seu nome. Presenteia-me com um “racha-cuca”:

− Busca meu nome no lugar em que te encontras e o encontrarás em lugares dos quais não fazes idéia.

Minha tênue paciência se esgota e lhe falo, mais alto do que gostaria:

− Mas que diabos o senhor deseja?

Debochado, responde-me com um trocadilho no estilo shakespeariano:

− Só o diabo sabe o que o homem deseja!

A perplexidade devolve-me a noção de tempo. Estou com meia hora de atraso. Pela primeira vez em seis anos, corro para chegar ao trabalho.

− Atrasado! − diz-me, de forma enérgica, Eliza. Eliza é uma destas mulheres que habitam o imaginário da maioria dos homens saudáveis e aptos à vida heterossexual (suponho que, talvez, gays e alienados não fantasiariam com ela).

Rápido, vasculho meus pensamentos em busca de algo que seja digno de ser dito em sua presença: tão bela, independente, delicada... Dominadora e líder por constituição genética, (fantasio que ela gostaria de sadomasoquismo). Não encontro coerência vocal. Fecho a porta, esperando que o ar condicionado restabeleça minha temperatura interna e ensaio meu melhor olhar de desamparo, que traduz e evidencia meu charme pseudotímido. Dá certo. Ela sorri. Desacostumada a atrasos meus, pergunta, cingindo-se de ares preocupados:

− Está tudo bem?

Respondo vagamente que sim.

Inicia o assunto referente ao trabalho extra que teremos de executar após o expediente. Meu atraso, significou o fracasso da estratégia de invisibilidade.

Nossa relação profissional se baseia em perguntas que ela me faz, complementadas por respostas que vou imediata e criativamente inventando. Embora não concorde o tempo todo, dizem que meu principal dom é encontrar soluções.

O dia transcorre comum, agitado, como previra o horóscopo.

Eliza convida-me a um restaurante chinês e me conta, no almoço, sobre as férias vencidas que pretende tirar na seqüência.

Temos um acordo de não falar em trabalho durante duas horas, mas é impossível deixar de comentar sobre os níveis de estresse e ansiedade que parecem estar contaminando a todos.

− Daniela surtou! Vou ficar sem secretária por tempo indeterminado – desabafa, enquanto ajeita com perícia os pauzinhos entre os dedos.

− Porque não pega uma dessas estagiárias? – sugiro.

− Tá louco? Ia atrapalhar ainda mais! Vou ter que ensinar tudo. A Dani me ensinou o que eu sei. Ela é que devia ser minha “chefa”. Sem ela estou perdida! – faz sempre questão de reconhecer. Isso me fascina, tanto que, me esforço em ser solícito:

− Com certeza não nos ensinam tudo na faculdade. Se quiser, posso secretariá-la. Vamos dizer... Por uma semana.

− Bondade sua. Mas acho que já abusamos demais de seu talento, Léo.

O diminutivo de meu nome, que na empresa quase todos usam, em seus lábios parece que nos torna íntimos.

− Que nada – esfrego o polegar no indicador − com o salário que me pagam, é sempre um prazer o auto-sacrifício.

Cobre a boca com a mão para rir. Engole o macarrão e replica:

− Ah é? Então, hoje já sei quem paga!

Na parte da tarde, auxilio Eliza na aquisição de duas novas contas de relevância, como a maioria de nossa carta de clientes “graúdos” e bem recomendados.

Trabalho há seis anos na “Ser & Evidência”, uma das dez mais conceituadas empresas, internacionais, no ranking da propaganda e marketing. Há exatos dois anos, Eliza chegou. Recém-formada, não passava de uma menina, assumindo seu lugar de sócio-hereditária número quatro, ao lado de suas três irmãs mais velhas: Kásula, Agnes e Thaís.

Dezoito horas. Quem pode vai embora.

Temos clientes que conseguem serem ainda mais exigentes do que a maioria. Secretamente recebem a alcunha de “chatos”. Sobretudo no caso específico de Hélio Constante, um espanhol dirigente da “Complementos S.A.” “El Chaton”, que já mandou para o lixo três campanhas para sua “Margarina Perfeita”.

Estamos completamente envolvidos na criação de um jingle.

Sempre optamos, em casos complicados, pelo fim do expediente, a energia pesada se dissipa, ficamos mais relaxados e ninguém interfere. Escorrego molemente os dedos pelas cordas do violão. Não consigo esconder um risinho prazeroso por estar tão próximo a ela e poder sentir com exclusividade seus odores mais secretos − talvez use um desodorante inodoro e a fragrância do perfume caro, ainda envolve suas formas atléticas e ágeis, no frescor dos vinte e quatro anos − percebe que estou sorrindo. Sorri de volta e passa os dedos por entre os cabelos crespos. Outra vez exploro meu subconsciente na busca de algo inusitado, que a pegue de surpresa e a faça lembrar-se de mim essa noite, antes de adormecer. Quase consigo verbalizar minhas intenções quando, Kásula, com expressão de “Hera”, entra e arruína tudo.

− Vocês sabem que hoje é o último dia para a criação desse jingle??? Depois teremos, apenas, cinco dias para gravar o comercial. Olha... Eu realmente não me importo com o que fazem nas suas intimidades. Porém, gostaria que “minha” empresa mantivesse ao menos, a decência de um relacionamento ético-profissional, entre sócios e empregados. Se perdessem o tempo precioso que, ambos, parecem ter de sobra para o amor, o trabalho já estaria pronto; atenderíamos o cliente no prazo estipulado, receberíamos o pagamento, com isso, poderíamos comprar emoção e divertimento em qualquer lugar − e aumentou ainda mais o tom de voz que já era gritante −, longe das dependências desse estabelecimento comercial.

Kásula Lastarria Piazzeta, 41 anos de pura redundância e materialismo indiscriminado, distribuídos em um metro e setenta de mulher, preparada pelo próprio pai: o visionário de direta descendência italiana, Miguel Piazzeta, para triunfar profissionalmente, em detrimento de todo o resto. Nunca se casou, e, ninguém, ao menos no vasto quadro de funcionários da empresa, admite tê-la visto sorrindo, amavelmente, para alguém, algum dia. Antes de sair, e bater com a porta, certifica-se, em nossas consternadas feições, que seu discurso provocou-nos o terror pretendido.

− “TPM” é fogo! − diz Eliza, depois de alguns segundos se passarem e os sons produzidos pelos tamancos de sua irmã, terem se afastado pela extensão do corredor.

− Falta de sexo! − digo, deslizando a mão suavemente por seu rosto, inserindo os dedos por entre a rebeldia dos cabelos. Aumento a pressão aos poucos, enquanto observo sua boca (os olhos fechados) tremendo, em suaves espasmos de prazer. Não resisto e a beijo. Nada mais importa. Grudo meus lábios aos dela. Ela não tenta fugir. Meu rosto se aquece ao calor de seu beijo. O beijo que tanto esperei. Que se tornara real, intenso, úmido. As línguas se tocam, se acariciam, empurram, se espremem. Vem-me a razão: “O que estou fazendo?! Posso ser demitido por isso!”

Calma, põe a mão em meu peito, sobe até o pescoço, passeia os dedos em minha nuca. Segura meu rosto com a mão direita, o polegar no canto da boca. Empurra-me com cuidado.

− Até que enfim! − ela declara, enquanto tenta recompor a respiração.

Estou envergonhado. Falo olhando para o chão:

− Precisas desculpar-me! Acho que perdi o controle.

− Não há o que desculpar... Esperei muito por isso... Nunca entendi tua demora e relutância... Desde o dia em que fomos apresentados tenho tentado conquistar tua atenção – ela fala entrecortado, e sinto que seus olhos então procurando os meus.

− Eliza, por favor, não fala assim! − ergo a mão diante do rosto, numa atitude de autodefesa.

Ela continua:

− Busco incessantemente por teus olhos, mas, eles sempre me fogem. Tento desmistificar tua solidão e me devolves insegurança – (ela vai falando rápido, demonstrando uma inspiração apaixonada que teme perder) − quero fazer parte do teu mundo, e, toda vez que expresso meu interesse, tu silencias a tensão do momento. À noite, sempre repito teu nome, até quase o instante em que adormeço. Com a força das mãos e o suor de meu rosto, simplifico a falta que me fazes. Mal pressinto a tua aproximação e meu sangue ferve. A cor morena de tua pele a invadir meus sonhos e relaciono-me contigo, tímida e complacente, esperando que me retribuas com equivocados sorrisos a admiração que te dispenso...

Tudo o que consigo manifestar é silêncio e compenetração. Então ela conclui:

− Entendes o significado desse beijo, após terem se passado dois anos?

Quando a olho, meu olhar se perde na perfeição das formas de seu rosto; minha audição delira no eco de suas palavras impossíveis. Sinto vontade de chorar. Gostaria que imperasse em mim, apenas o instinto, nesse sublime momento. Obliterar ao coração e a racionalidade − dualidades que me fazem tanto mal −, pegá-la com força, arrancar suas roupas e com intensidade amá-la... Ali... Na mesa... No tapete...

Levanto-me rápido de onde estivéramos sentados, displicentes, ao chão, perto da mesinha de centro. Largo o violão em cima do sofá e vou até a janela. Respiro com dificuldade. Meu corpo treme. Sei que desta vez não sairei incólume. Sem olhá-la, inicio o que parece ser minha covarde confissão:

− Eliza... Faço uma idéia de nosso destino... Com freqüência, em meus devaneios, tento libertar-me do que sinto por ti... Poderia dizer que é amor, ou paixão... Sei que não é! Sei que te faço sofrer por não amá-la, e o tanto que sofrerás se nos envolvermos. Todas essas palavras lindas que tu disseste, autênticas e repletas de significados, estão fadadas a se transformarem em culpas e cobranças, pois somente a quem amamos podemos magoar...

Num movimento lento, giro nos calcanhares; rápido o suficiente para que possa vê-la, esvaindo sua suave presença, pelo vão da porta entreaberta.

Numa ruptura espaço-temporal murmuro: − Eliza...

Retorno ao trabalho sozinho.

Estou aliviado por ela ter partido. Mesmo assim, termino a canção e faço os arranjos simples em tom melancólico. Imagino que no comercial da “Margarina Perfeita”, uma jovem mulher soluce de saudades enquanto morde o pão. No final, a frase de efeito: “Perfeita, em qualquer momento!”

( Varekai )

 
 
 

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