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COINCIDÊNCIAS EXAGERADAS - CAPÍTULO 03

  • Paulo L. Menezes
  • 14 de ago. de 2014
  • 13 min de leitura

“Pra que é que serve o tempo? Para exaurir-se rápido enquanto reclamo por não tê-lo aproveitado melhor.”

(MULHER DE 45 ANOS, PADECENTE DE CÂNCER TERMINAL)

FIM DE SEMANA

Não há mais tempo. Não há mais nada a temer a não ser o próprio medo. Não há mais dor nem segredos. Não existe solidão, apenas, ficar sozinho. O tempo é meu “pai”, minha mãe, meu irmão e meu filho. Não mais venero o tempo e se ele sucumbe, é somente para mim. Hoje, todo o existir conhece seu final, amanhã... Recomeço outra vez.

Conversei com muitas pessoas, a respeito das mais importantes invenções e sempre obtive opiniões semelhantes. As três observações mais diferentes que ouvi foram: “chinelos de dedo”, “macarrão instantâneo” e o... “Arado”. Isso mesmo! Inclusive, na opinião do escritor inglês Colin Tudge: “Deixem para lá o computador e o telegrafo, a escrita, até mesmo a roda. Foi o arado que mudou o mundo.”

Foi o arado quem moldou as sociedades de consumo, arrancou os povos da barbárie e nos trouxe a esta configuração de mundo que conhecemos? As opiniões convergem sobre quase tudo, por isso, não é de espantar a grande quantidade de pessoas com idéias quase idênticas que se aglomeram num mesmo espaço geográfico, atulhando as metrópoles.

Nenhuma civilização conseguiu domar a barbárie. Os homens alegam fazerem uso da razão para o raciocínio, mas é certo que não a seguem. Nada no mundo assegura que o homem aceite o que é mais fácil e mais útil.

O consumismo vai dando vazão ao surgimento de novas síndromes e desequilíbrios, num desesperado esforço de encontrar, imediatamente, necessidade de uso a todo tipo de parafernália e quinquilharia que se vai inventando.

Na busca incessante do ente humano em locupletar-se, dia após dia, a humanidade torna-se vítima da ciência, também, mais e mais “dependente” do artificial e da técnica.

A tecnologia se reinventa tão rápido que só os tecnólogos sentem-se aptos a acompanhá-la: “desktops”, “laptops”, “notebooks”, “smartphones”, “ipod nano”, “Blackberry”, “touch”, “Celio redfly”, “GPS”, “TV digital com tela de LCD em high definition”, sistema de reprodução de filmes em “DVD” e “Blue Ray Disk”, vídeo games de terceira e quarta geração, sistemas de “LED”... A maioria dos novos equipamentos possui tantas teclas e funções que a maior parte dos usuários não consegue desfrutar, sequer, de quinze por cento de suas capacidades. Os que conseguem, vão, rápida e progressivamente, “deletando o Português”.

Os lixões já não estão capacitados para a grande quantidade de bugigangas eletrônicas (principalmente) que se tornam antiquadas, tão rápido quanto as novas invadem as prateleiras e as vitrines das lojas; denominam esse fenômeno de: “obsolescência programada”, não bastasse isso, a maioria é confeccionada com uma alta quantidade de substâncias tóxicas que agridem ao meio ambiente: chumbo, cádmio, mercúrio, PVC, cromo hexavalente, berílio e outros (xingar a poluição, em todos os aspectos, já virou exercício de retórica)...

Pressupondo que de certa forma o homem creia ser direito seu destruir o planeta, isso vai ser extremamente fácil, basta continuarmos a produzir em média cinquenta toneladas de lixo eletrônico por ano (isso só no Brasil). Até mesmo o espaço, que nos primórdios era domínio exclusivo dos “deuses”, está se transformando em um imenso depósito de “detritos cósmicos”.

Já existem esforços mundiais, nesses tempos ditos “politicamente e ecologicamente corretos”, dispostos a diminuir o impacto dos eletrônicos sobre o meio ambiente, evitando que esses se tornem os novos vilões, responsáveis pelo “Aquecimento Global”. As grandes empresas estão investindo verdadeiras fortunas em pesquisas, na aventura que lhes concederá o selo de: “amigas da ecologia”. Por que são boazinhas? Óbvio que não! Consumidores responsáveis anseiam por isso, e principalmente porque algumas leis as estão forçando a isso. Em 2006, a União Européia aprovou uma diretiva obrigando aos fabricantes a retirarem o chumbo e reduzirem a quantidade de materiais tóxicos nos produtos eletrônicos vendidos no continente. Quem sabe daqui a uns trinta anos alguma atitude semelhante possa ser tomada, também, no Brasil?

Na Europa, em bem pouco tempo, o melhor comercial de uma grande fabricante de “gadgets”, pode ser assim: “Nossas bugigangas fazem todas as tolices das outras, mas não agridem ao meio ambiente.”

De tudo que foi inventado, ou descoberto até então, o telefone é o que mais fascina. Abençoado Alexander Graham Bell, que conseguiu, através de suas pesquisas sobre a surdez, atingir tal realização. As concretizou em 1876, por amor a Mabel, uma moça com deficiência auditiva com quem, por fim, se casou. A invenção de Bell não impressiona até hoje apenas pelo fato de podermos conversar com as pessoas sobrepujando distâncias, mas também pelas demais portas que se escancararam com o advento da telefonia.

As constantes evoluções dos meios de comunicação nos trouxeram até ao “iphone”; esse minicomputador de bolso. A principal vantagem do celular é que a pessoa comum, que não pode te seguir via satélite, fica incapacitada de saber a verdade sobre a tua localização. Excetuam-se neste caso os amigos, pois são capazes de saber mais sobre nós que as nossas próprias mães; a esses não adianta mentir, sempre sabem onde estamos.

Outro “torpedo”. Mais um convite pra sair. “Não posso sair! Estou cansado! Trabalhei até tarde!” – enquanto escrevo a mensagem, lembro-me do diálogo que travei com Agnes, quando fui lhe entregar o material para o comercial da margarina.

Ainda não havíamos nos visto hoje. Em seu setor, trabalha diretamente com a execução dos projetos. Sempre dócil e educada, beija-me no rosto e em seguida pergunta:

− Sabes me dizer que bicho mordeu Eliza, Leonardo? Thaís disse-me que nossa Irmã estava muito abalada, quando comunicou na administração estar saindo imediatamente de férias. − Agnes está com 34 anos, mas o aspecto físico, os cabelos lisos, loiros, fininhos e a suavidade da voz, lembram uma menina indefesa.

Contei-lhe sobre o que Eliza falara comigo a respeito de férias vencidas. Comentei sobre o surto de Daniela. Disse-lhe que havia me oferecido para auxiliá-la e citei o excelente trabalho de equipe que realizáramos à tarde. O que ela queria saber, eu omiti. Por um forte instinto de autopreservação.

Agnes ficou em pé junto à mesa, ajeitando calmamente uns papéis enquanto lhe falava. Quando calei, apoiou ambas as mãos na mesa atrás de si, recostou-se, ladeou um pouco a cabeça e disse com naturalidade:

− Sei de todos os sentimentos de Eliza. Sobre todos os assuntos. Sempre soube! Tens apenas mais uma chance de ser sincero comigo!

O aviso de outra mensagem me acode da lembrança. Leio o recado com indiferença: “Conversa pra boi dormir! Amanhã é sábado e não trabalhas. Precisa se divertir e não admite.”

Tento me desvencilhar outra vez: “Preciso é relaxar e dormir!”

Desiste das mensagens e me liga:

− Tô indo praí!

Diacho! Eu sei que ele vem!

Meu tempo divide-se entre o que sou e o que não sou. O que posso ser. O que pensam que sou e o que desejo ser. Nisso tudo, entendo estar em um labirinto existencial. Esforçamo-nos em sermos únicos e as pessoas sempre esperam que sejamos previsíveis.

Toca o interfone. Sei que é Rodrigo. Atendo, “azedo”, e vou dizendo:

− Sobe − enquanto aperto o botão acionando o porteiro eletrônico.

Já aparei a barba e tomei banho. Não sei aonde vamos (nunca sei), mas optei pela clássica combinação do preto com branco. Invento que assim, favorecido por minha silhueta estreita e estatura de 1,84m, esteja aparentando ser sério, enquanto elegante. Os cabelos não são cortados curtos desde o divórcio, quando alguém pergunta, digo: “É promessa para não casar outra vez”.

− Que estilo! − ele fala, exibindo o largo sorriso de sempre, entretanto, não sei distinguir se é deboche ou admiração. Vindo de um tipo afro-descendente, completamente careca, que se veste igual a um componente de grupo de pagode, pode significar qualquer coisa.

− Aonde vamos? − pergunto, sem conseguir disfarçar minha falta de interesse, enquanto visto o casaco longo de couro preto, sobre o colete azul escuro e da camisa de seda branca com mangas largas.

− Vamos a um lugar freqüentado por mulheres jovens, belas, sensuais, carentes, perfumadas, bem vestidas... Com um único propósito em mente... (e intensificou uma pausa bem planejada)... Conhecer o homem de suas vidas e viver uma noite intensa de prazeres indizíveis e sexo despudorado.

Está começando a convencer-me. Vai até meu bar e volta com dois copos de uísque com pouco gelo. Não aprecio bebidas alcoólicas, bebo por causa do efeito desinibidor do Sistema Nervoso Central.

Rodrigo vai soltando a língua e inicia sua cansativa e batida preleção de suposto entendido em mulheres, com o seu: “Tratado do Sexo Frágil”, desenvolvido após ter pesquisado e escrito certa matéria: “Melhore Seu Relacionamento”.

− As mulheres não sabem o que querem. Os homens por sua vez, não negam: desejam as mulheres; e farão qualquer coisa para conquistá-las, até mesmo descobrir: o que elas querem?

− Por favor! Se já descobriu, não poupe detalhes. – falo, porque me sinto obrigado a dizer algo, enquanto afundo no conforto do sofá.

− As mulheres não são difíceis de entender e sim, difíceis de serem aceitas, em suas lógicas confusas e fáceis de serem destruídas. Elas clamam constantemente por segurança e quando a têm, não sabem o que fazer com ela; almejam um homem que não tenha medo de demonstrar seus sentimentos e quando o conseguem, perdem completamente o interesse em relacionar-se; buscam relacionamentos sólidos e sérios e se os encontram, sentem-se sufocadas; desejam que seus parceiros não sejam ciumentos e se não forem, concluirão que não existe amor; anseiam ser amadas e sendo, duvidam de seu próprio merecimento de tanto amor; se tratadas com indiferença apaixonam-se, se mal tratadas amam (as mulheres ficam com os “bonzinhos” e até casam com eles, mas gostam mesmo é dos cafajestes). Se solitárias esperam companhia, se acompanhadas aspiram liberdade, se livres cobiçam alguém que as “prendam”, se presas tentam fugir, fugindo, apetecem ser seguidas, sendo, fugirão para sempre, não sendo, voltam e começam tudo de novo.

− Peraí... Nem todas são assim! – implico.

− Na grande maioria. Quase todas as representantes do imprescindível sexo feminino, querem ter filhos; muitas querem muito. A maioria destas, serão ótimas mães e péssimas esposas (grande parte das separações acontecem após o nascimento do primeiro filho), colocarão o amor pelos filhos acima de tudo, incluindo aos maridos e a si mesmas. Ficarão gordas, cansadas, choronas e cheias de varizes e estrias. Repudiarão o ato sexual, obrigando aos cônjuges: desgastantes e caros relacionamentos extraconjugais com as que não aceitam ter filhos ou, que mesmo os tendo tido, mantém-se: lindas, malhadas, esbeltas e no ápice do desejo sexual.

Bebi quatro doses. Finalmente sei quem sou. Entristeço-me por ser tão vulnerável. Ainda sou muito “coração” e me entrego à vastidão de sentimentos e sensações que sempre me assustaram. Sempre que amei, ousei intensamente. Na solidão a dor do amor é mais bem saboreada − penso em Eliza, e rememoro a resposta sincera que Agnes queria e lhe entreguei sem rodeios: “Nos beijamos! Ela me confiou seus sentimentos... e é lindo. Sei que não é ‘qualquer uma’, e não pretendo possuí-la apenas por capricho. Minha questão principal é: será que a amo?”

Rodrigo está no ritmo e continua:

− As mulheres reclamam da falta de tempo e quando o tem de sobra, perdem-no, em atos fúteis e inutilidades.

Recomeçar do zero. As pessoas podem querer saber: “Quem é?”, perguntarão meu nome. Qualquer designação, não revela o sujeito. Muitos possuem nomes idênticos e não serve para identificar alguém na multidão, como indivíduo. Reservado a mim há um aspecto, e minha voz me diferencia dos demais. Adquiri conhecimentos e tento empregar de alguma maneira o que sei. Eu sou minhas idéias, pensamentos e personalidade; por mais que tentemos, estamos fadados a jamais (ao menos nesse plano o qual julgamos conhecer) compartilharmos com nosso próximo à verdadeira natureza dos nossos interiores, pois fomos criados egoístas e protecionistas, não manifestando nenhum sadio desejo de sermos conhecidos na integra.

23h05min. Sete dozes, e, ele continua teorizando:

− As mulheres “tentam” trabalhar e o trabalho as estressa. Precisam descansar e o marasmo as entedia. Pretendem entendimento e os fatos as deixam confusas e inseguras. As mulheres sonham com um ideal, e pode ser qualquer um... Não se aprofundam em suas crenças. As mulheres prezam a verdade e “ficam” sempre com os que mentem melhor, tendem a ser verdadeiras... É que são péssimas mentirosas.

Todo dia, adio o inevitável. Gosto das coisas que acontecem com naturalidade. Eu não sabia chorar, agora choro com freqüência, dou vazão ao meu pranto e acumulo valores a minha dor, a mesma dor que rejeitei aparenta ser agora minha única irmã, amiga e companheira. Quem sabe então não exista dor insuportável? Vivo intensamente minha dor. Um dia ela cessa ou me acostumo com ela. Quero crer na capacidade de superação do indivíduo e, já não me inspiro só no que quero, mas em tudo o que há para me inspirar.

23h10min. Um litro de uísque. Preciso sair daqui e existir. Aprender a rir de mim mesmo e exercitar o autoperdão. Não ser complacente comigo. Admitir que não suporte palavras duras e ações bruscas. Já conseguiram o pior de mim com isso. Hoje, quero ser o melhor que puder. Livre, para me expandir dentro de meus limites.

23h35min. Dirigindo seu soberbo “Eclipse” negro, Rodrigo insiste em seu monólogo. Minha cabeça “gira”:

− Mas o que me encanta nas mulheres e me obriga a amá-las: é a maneira displicente de mexer no cabelo, fingindo arrumá-lo, quando estão interessadas; o jeitinho disfarçado de sorrir se são comprometidas, tipo, um modo sutil de avisar: “esse não é o momento”; a forma como beijam estando apaixonadas; a intensidade com que perdoam aqueles a quem amam; a ternura angelical dos beijos em seus filhos; a tenacidade ao defenderem seus protegidos; o orgulho que possuem de sua prole; a doçura das carícias quando namoram; a fogosidade para fazer amor quando foram conquistadas; o cuidado extremo com os maridos, logo que casam; a malícia dos sorrisos de conquista; o olhar de desamparo que a mágoa lhes provoca; a gargalhada de desprezo e o trejeito como jogam a cabeça para trás, quando não estão interessadas; as atmosferas de mistério se são pegas de surpresa; a desenvoltura com a qual andam e dançam, quando estão excitadas; e os gemidos de prazer e desejo, quando são amadas da maneira que preferem.

Tenho que sair, deixar que me vejam e gritar: “Hei, eu estou aqui! Estou vivo! Sou complexo, frágil e emotivo. Os indivíduos que sentem e pecam, amam!”

Meus sonhos, anseios e delírios são banais. Meu corpo definha. Minha mente evita o raciocínio, minha alma pesa e meu espírito afasta-se da luz. É inútil se tento avaliar a correção dessas afirmações.

Estou bêbado. Rodrigo também.

No caminho paramos em um boteco para pegar cervejas e um cara nos oferece “pó”. Já cheirei antes, mas nunca se tornou um hábito. Meu parceiro me explica inutilmente que vai nos dar um “brilho”. Acho ridículo. Quero sair logo dali. Damos trinta ao traficante e ele nos passa, discretamente, duas “petecas” de quinze e acrescenta, com um sorriso de dentes amarelos e olhos arregalados:

− O “bagulho” é bom! Vocês vão “querê” mais!

Quando as drogas “cheiráveis” e injetáveis chegaram, transformaram completamente o cenário. Há poucos anos, cocaína, era coisa de roqueiro doido, ou farra de gente rica e inconsequente.

Quem será capaz de ignorar que em pouco tempo todo esse negócio de drogas estará legalizado? As grandes corporações ganharão fortunas com isso. Não deixarão mais o lucro nas mãos de traficantes analfabetos, broncos e psicóticos, ou policiais corruptos, quando descobrirem quanto dinheiro se pode ganhar: milhões? Não! Bilhões! Estarão à disposição dos consumidores em qualquer farmácia: drogas de recreação, alucinógenas, de esquecimento, alívio da culpa, disposição, desembaraço... Dando às pessoas o que elas querem: vivacidade ou descontração hoje, entorpecimento amanhã. Quem sabe até mesmo algo que as “ligue” pela manhã e “desligue” à noite? Contudo, essa “neura” está acontecendo em tempo real e até tudo ser viabilizado pelos homens cultos, vestindo ternos caros, os “traficas” aproveitam enquanto podem, nisso, envenenam toda uma geração.

Muito cedo mergulhamos no fascinante mundo das drogas. Primeiro as farmacêuticas, largamente empregadas no combate de várias disfunções e aplicadas ou utilizadas, na maioria das vezes, sem a necessidade de qualquer receituário médico; as pessoas se automedicam, é fato, e faz tempo.

Paralelo ao uso e tráfico de drogas, alucinógenas como o “LSD”, a maconha e o “crack”, deu-se também a proliferação das drogas farmacêuticas normalizantes, que tendem a, na observação do escritor e ensaísta inglês, Aldous Huxley “... transformar o cérebro numa glândula e a existência num protocolo”. Essas cápsulas venenosas transformam as pessoas em completos idiotas, muitas vezes solicitadas, como tratamento, pelos pais ou familiares, que encontram dificuldades em conviver, ou apenas entender o aprofundamento psicológico que escapa as armadilhas de nossa lógica, por mais que se tentem análises ou especulações.

Voltamos ao carro com a droga e as cervejas. Rodrigo ri divertido e comenta:

− “Teu”! Cara mais sinistro! – modifica a voz, emprestando-lhe sentido cômico de gravidade − “O bagulho é bom! Vocês vão querê mais!”

Numa capa de CD, ele prepara as “carreiras” com um cartão de crédito. Improvisamos canudos com notas de cinco e dez reais e cheiramos, ali mesmo, protegidos pelos vidros fumês.

Passamos em frente à danceteria que Rodrigo escolheu. A coca já fez efeito. Deve ter bastante gente lá dentro e do lado de fora, duas filas, uma de homens outra de mulheres. Não há lugar próximo para estacionar e zanzamos pelas ruas procurando vaga. Conseguimos uma e ele para com cuidado. Descemos. Tranca o carro e aciona o alarme. Estamos a umas cinco quadras de nosso objetivo. Verifico que não é um lugar tranqüilo, sequer um “flanelinha” aparece com a conhecida frase: “Bem cuidado aí, dotor!”

A violência aproxima-se e tenta corromper-me. Três indivíduos movimentam-se pela calçada em nossa direção. Caminho próximo ao muro, Rodrigo vai a minha direita. O que está à direita do grupo nos interpela:

− E aí rapaziada? Já provaram “ecstasy”?

Palavras, e ecos de palavras ocas. Torpor de ansiedade. Quero ser simpático e não consigo. Tento sorrir. Meu semblante se contrai, tornando visíveis minhas insatisfações.

É Rodrigo quem responde, no ritmo da gíria:

− Valeu meu “chapa”! Mas nós já “tâmo ligado”!

O que nos abordou, e está em minha frente, num gesto rápido, saca uma CZ-75, preta, 9 mm. Aponta para minha cabeça e fala com autocontrole assustador:

− Então, ficamos com o carro!

De onde estou, posso desarmá-lo de três formas, duas o matam e uma o deixará em cadeira de rodas. Meu amigo age rápido, move-se para fora da calçada e acerta um poderoso murro no maxilar do bandido mais próximo. Por um segundo, meu antagonista desvia a arma de mim. É tudo que eu precisava. Pulo para frente e seguro seu pulso, puxo-o para baixo, fazendo-o disparar contra o chão. Com o joelho esquerdo golpeio sua coluna e ouço, nitidamente, o barulho dela se partindo. Apanho a arma e aponto para os outros. Estão “travados” e perplexos com a rapidez de nossas ações.

− Ajoelhem-se! – digo – Ponham as mãos na cabeça!

O frio e o peso da arma em minha mão concedem-me poder. Sinto que posso matá-los. Talvez até haja remorsos depois... Mas não agora! Contento-me em golpear com a coronha, o nariz e a testa de um garoto de não mais que dezoito anos. Rodrigo pega o outro pelos cabelos, bate furiosamente com seu rosto na calçada, várias vezes.

Estamos eufóricos. As causas são evidentes: combinação de álcool, coca e adrenalina. Isso bastaria para fazer explodir um coração sensível.

− Revista os bolsos desses merdas! – falo enquanto os mantenho na mira. Acha várias cédulas, mais maconha, “ecstasy” e cocaína. O doido agonizante de coluna partida, que aparenta ser o mais velho, tem dois “pentes” carregados. Pegamos o dinheiro, as drogas e a munição. Retornamos rápido para o carro.

− Melhor irmos pra bem longe daqui − enquanto ele fala, observo que seus olhos estão tão arregalados quanto os do traficante do boteco −, a barra pesou! Acho que matei o cara! Alguém deve ter ouvido o tiro e daqui a pouco “pinta” polícia.

A ação agitou-me bastante, mas sou sucinto:

− Demorou!

Dá a partida e arranca, ignorando a discrição.

Num giro de 360 graus, tento certificar-me de que não há testemunhas.

Para, a uma distância que julgamos segura e contamos o dinheiro: três mil quatrocentos e cinquenta reais, em notas de cinquenta, dez e cinco.

00h45min. Olhamos um para outro e soltamos uma “pusta” gargalhada.

( Varekai )

 
 
 

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