MUITO ESTRANHA
- Paulo L. Menezes
- 30 de jul. de 2014
- 3 min de leitura

“Não destruas jamais a confiança – a engrenagem que faz tudo o mais funcionar.”
− Sou personagem assombrada, num mundo estranho e tenebroso! – ela fugiu de um de meus contos inacabados, às três da manhã, e me veio com esse papo, pra lá de complicado.
Não quis parecer insensível e lhe dei trela, afinal de contas, eu a criara:
− Desculpe-me Cibele, mas não estás feliz com sua história? – apesar de apavorado com a situação, lembrei de que ela tinha tendências psicóticas e chamei-a pelo nome, tentando ser diplomático e buscando identificação.
− História? “Teu”! Tu chamas isso de história? Quem vai ler um lixo desses? Saca a definição: garota branca de dezesseis anos, com cabelo azul, veste-se de preto e só sai à noite, exceto para ir à escola, que é de manhã, tenha dó! Tem um rato branco que se chama “Charles Chaplin”?, “dã”... Troço mais cafona! Não fala com o pai alcoólatra, que é separado da mãe que ela não conhece. Foi estuprada pelo namorado punk aos quatorze e continua com ele, que a domina e espanca, até hoje. Fala sério! Todos os seus amigos, drogados e delinquentes, atendem pelo nome de bichos, menos ela, e o namorado que se chama Teobaldo. “Teobaldo”!? Isso Lá é nome de “punk” que se preze? Depressiva e com tendências suicidas. Péssimas notas em todas as matérias. Com um perfil desses quem vai duvidar que eu pusesse fogo no presépio do shopping, ou que assassinei o diretor do colégio? Com certeza posso ser classificada em: “MUITO ESTRANHA!”.
Todo o tempo ela falou com o rosto bem perto do meu e pude compreender, pelo cheiro, que fumara maconha. Também notei que os pequeninos olhos esmeralda estavam congestionados. De forma inexplicável, senti-me cruel e culpado por seus dramas.
Medi cautelosamente as palavras e falei:
− Cibele, tenta entender o meu posicionamento. O mundo real anda bem complicado! A gente se sente até obrigado a escrever histórias de superação; sei que ainda não parece, mas a tua história é de superação, sim! Do tipo em que se dá a volta por cima. – aqui tentei parecer empolgado, depois reclamei um pouco − O mercado de redatores de opinião está saturado, e de uma hora para outra tudo vira clichê. É difícil produzir, mais ainda, permanecer original por muito tempo; os caras copiam as tuas idéias, plagiam o teu estilo e todo mundo acredita que é um crítico profissional.
Ela sentou-se no sofá. Abraçou as pernas cobertas por meias pretas e deitou a cabeça nos joelhos, de um jeito tão poético que me fez sofrer.
Continuei meu discurso:
− Se te faz diferença saber, foi tu quem provocou o incêndio. Mas quem matou o diretor foi àquela loirinha aguada, Aline, que vive implicando contigo. Ela é fingida e promíscua, e está se aproveitando do lance no shopping pra te incriminar em mais esta. Teobaldo morre de overdose, e tua mãe, casa com um bom homem, melhora de vida e vem te buscar. Vocês recuperam o tempo perdido. Chame a isso de “justiça poética”. Teu pai, aliviado por tua mãe ter voltado, aceita fazer parte de um grupo de alcoólicos anônimos e não bebe mais... Até o dia em que morre... atropelado! Perdoa-me, é que um pouco de drama tem que ter! Teus amigos, inspirados pelas tuas mudanças, desistem do crime e aceitam serem internados em uma clínica de desintoxicação, depois, formam uma banda de “punk rock”, chamam-na: “ANIMAL DE RUA”, e te convidam para ser a vocalista antimoda.
Ia explicar que o ratinho branco era uma homenagem ao “Chaplin”, de quem sou fã, misturado com uma tendência autobiográfica; é que tive um rato de mesmo nome quando era garoto, depois descobri que era fêmea e quando teve a primeira cria ficou agressiva e a dei para um amigo.
Mas ela estava ressonando, e nos lábios pintados de preto expressava um descontraído sorriso.
Levantei-me da cadeira bem devagarzinho e fui até o quarto, onde minha esposa estava dormindo, para pedir-lhe socorro.
Afinal, eu não tinha idéia do que fazer com uma adolescente problemática que saía de contos na madrugada e questionava o senso criativo de autores novatos, depois dormia como se fosse coisa natural.
Minha esposa murmurou que também me amava e virou para o outro lado.
Teria que lidar sozinho com aquela situação.
Eram quatro e meia, voltei para a sala.
Aliviado, tomei conhecimento de que ela havia partido.
Fui rápido até ao computador e, por via das dúvidas, deletei o conto.
A partir de amanhã, só escrevo contos infantis, com fundo moral e personagens boazinhas. Psicologicamente bem estruturadas!
(Varekai)
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