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AMÁLGAMA - 1ª PARTE - A MORTE DO DEMÔNIO

  • Paulo L. Menezes
  • 24 de jul. de 2014
  • 4 min de leitura




Ao amanhecer o dia − da noite em que matamos o demônio −, nada, apesar da vitória, parecia fazer muito sentido, e notei certa demência nos semblantes e nas atitudes de meus companheiros. Arthur havia perdido o braço esquerdo no combate. Não lamentava. Segurava uma garrafa de vinho. Bebia alguns goles e virava o restante no cadáver esquartejado em nossa sala de jantar. Procurava outra garrafa e repetia o ritual. Sem parar de rir. Um risinho bobo e irritante. Aline era a que mais me preocupava, pois, apanhava taças vazias, as enchia com o sangue de nossa presa e as dispunha na mesa de jantar. Uma para cada espaço, que pareciam ser de convidados imaginários seus. Celeste estava muda em um canto e acariciava o braço decepado de Arthur, como se fosse um bebê, mórbido, imóvel e sangrento. Padre Cirillo, que nos providenciara o grande estoque de água benta, no qual embebêramos nossas armas e armaduras, observava a cena de olhos tão escancarados que parecia querer reter todos os detalhes daquele cenário em sua conturbada memória. Enquanto juntava as partes dos menos afortunados: Cláudio, Jurinara, Thiago e Arlene − que sacrificaram suas vidas no intuito de livrar o mundo de um grande mal −, dizia preces em Latim arcaico, ciente de que suas crenças mais terríveis haviam por fim, se materializado.

Suspeitávamos que, de certa forma, nossas vidas sofreriam grandes mudanças, quando Arlene, que se admitia ser bruxa de nascença, adentrou correndo ao refúgio e começou com aquela história maluca dos cinco livros que continham todos os conhecimentos, desde a noite eterna até o nascimento da luz. Ao contrário de Celeste, que, apesar de bem treinada guerreira, ferina e definitiva em combate, conseguia também ser dócil e de instinto maternal... ninguém deu a mínima importância a mais nova tolice que a bruxinha encontrara na rede. Não havíamos esquecido aquela vez que descobrira uma comunidade inteira de vampiros habitando os subterrâneos da universidade, e quando fomos averiguar, descobrimos que eram apenas jovens, com um marketing muito bem engendrado, iniciando um novo grupo de “RPG” para jogarem “VAMPIRO, A MÁSCARA”. Porém, enquanto a explicação foi se tornando cada vez mais complexa, começamos a entender que talvez, finalmente, tivesse chegado o dia em que à fundação daquela irmandade, seis anos antes, revelasse seu verdadeiro propósito. Há tempos demais ficáramos lendo e traduzindo aqueles tomos antigos e empoeirados, que sempre acabavam evidenciando no fim, os delírios de algum monge ensandecido pela fome e os martírios da Idade Média. Quando por fim mereceu nossa atenção, apesar do receio, nos explicou que os cinco livros estavam sendo arrematados por um sábio erudito de nome Erástomo Diambresco, e que juntos possuíam um poder indescritível, que ia desde ressuscitar aos mortos até aniquilar anjos e invocar demônios.

Arthur, nosso mais experimentado guerreiro, em cujo currículo constava inclusive a fascinante façanha de ter capturado um lobisomem vivo, sacou a espada com empunhadura de prata, que já sabíamos estar há séculos em sua família e bradou, simulando estar no campo de batalha: − À luta companheiros!

Agora que estávamos ali, feridos e cansados da batalha, manchados pelo sangue fedorento do inimigo, mesclado ao odor adocicado do sangue de entes que ridos, abalados muito mais ainda no sistema nervoso e psicológico, tínhamos que fazer o que se faz em todas as guerras: aproveitar a trégua ligeira para enterrar e chorar aos mortos e nos reerguermos para o combate definitivo que sabíamos, estava para ser travado.

Aquela que nos preparara para sairmos vitoriosos e que mesmo não estando presente orquestrara toda a ação, materializou-se no centro da sala em toda a sua magnitude.

Minhas crianças! Minhas corajosas e amadas crianças! Hoje um mal antigo os conheceu e os teme!

Celeste aproximou-se de Rafhaela, com o braço de Arthur nas mãos estendidas, como se o estivesse guardando para ela. Nossa mentora o pegou e foi ao encontro de Arthur, que há essas horas estava bêbado e havia cessado seu riso abobalhado.

Venha belo guerreiro. Infelizmente já não posso devolver a vida a teus confrades, que acredite, não poderiam ter tido fim mais glorioso, nesse momento é deles o paraíso, da mesma forma que rogo seja teu um dia. Venha, receba de volta teu forte braço, ao lugar de onde não deveria ter saído.

Muita proeza nós havíamos presenciado, através dos dons da divina Rafhaela. Sempre ficávamos embasbacados. Dessa vez não foi diferente. Mesmo Celeste que demonstrava estar no aguardo do milagre teve de segurar com a mão o próprio queixo, quando Arthur, despiu-se da armadura esfarrapada pelas garras de Karantidas e teve seu braço reimplantado ao corpo em segundos, sem rituais nem preces. Dando a entender que os poderes de Rafhaela, curiosamente, ampliavam-se a cada vitória por nós conquistada. Depois tirou de suas vestes um pequeno frasco de líquido azulado e mandou que untássemos nossas feridas, ao que obedecemos prontamente. Quando já estávamos todos, com nossos ferimentos devidamente sarados, foi Aline quem lhe devolveu o frasco que parecia conter ainda a mesma quantidade de antes e lhe disse:

Enchi as doze taças com o sangue da fera, conforme suas instruções.


( Petchanka )









 
 
 

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